Hidrogênio verde e créditos de carbono: um futuro mais sustentável

É promissor o avanço na pauta legislativa para a regulação desse vetor energético no Brasil

FERNANDA DELGADO

Artigo publicado no JOTA

hidrogênio verde
Tanque de armazenamento de hidrogênio verde em projeto no Porto do Pecém (CE) / Crédito: Divulgação/EDP

Em meio à crescente urgência de combater as mudanças climáticas, o hidrogênio verde surge como uma alternativa possível/complementar aos combustíveis fósseis. Produzido a partir da eletrólise da água utilizando-se fontes de energia renovável, este vetor energético tem potencial para reduzir as emissões de gases de efeito estufa e promover uma matriz e processos produtivos sustentáveis.

A produção de hidrogênio verde, se adotado em larga escala para diferentes usos (transporte, indústria, geração de energia, entre outros), oferece vantagens ambientais, mas também econômicas, pois a geração de créditos de carbono pode tornar este energético mais competitivo do que os combustíveis fósseis, incentivando sua substituição. Porém, desafios precisam ser analisados para garantir a eficácia desse sistema, no que concerne tanto ao mercado de hidrogênio e ao mercado de carbono individualmente quanto à integração de ambos.

A integração ao mercado de créditos de carbono é vista como fundamental para potencializar os efeitos do hidrogênio verde para a descarbonização. Em outras palavras, empresas que investem em projetos de hidrogênio verde poderiam gerar créditos de carbono, criando uma dinâmica de incentivo financeiro para viabilizar o projeto e, ao mesmo tempo, compensar emissões de outras empresas cuja mitigação é mais desafiadora. Essa relação oferece benefícios mútuos, mas depende da operacionalização de sistemas de comercialização de emissões (ETS, em inglês), ou mercado de carbono.

No aspecto regulatório, o mercado de carbono no Brasil ainda carece de uma lei basilar, embora esteja avançada na agenda parlamentar. O PL 2148/2015, que institui o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE), foi aprovado na Câmara dos Deputados em dezembro de 2023 e retorna ao Senado neste ano. Este PL prevê a negociação de cotas de emissão (ativo representativo do direito de emissão) e de certificados de redução ou remoção verificada de emissões às atividades que emitem acima de 25 mil toneladas de CO2 por ano.

A operacionalização do SBCE dependerá das estruturas de governança, como o órgão gestor, e de normas e parâmetros técnicos sobre: mensuração, relato e verificação das emissões; conciliação periódica de obrigações; e plano nacional de alocação de cotas de emissão, com definições de limite máximo de emissões, quantidade de cotas a ser alocada e as formas dessa alocação (gratuita ou onerosa), o percentual máximo de certificados de redução admitidos na conciliação periódica, entre outros. Além disso, o mecanismo de estabilização de preços para reduzir a volatilidade e garantir os princípios do SBCE de promoção da competitividade da economia brasileira e redução de emissões de forma justa e custo-efetiva. Todos esses dispositivos previstos no PL precisarão estar alinhados para garantir a efetividade e estabilidade do mercado de carbono brasileiro.

Além do regulado, o voluntário no Brasil também apresenta um mercado estimado em US$ 35 bilhões até 2040, concentrando 15% da geração global de créditos por soluções baseadas na natureza. Segundo a Mckinsey (2022), “o custo brasileiro para desenvolver e implementar projetos para obter créditos de carbono de alta qualidade e integridade é menor e mais competitivo que a média global”. Isso significa maiores retornos financeiros em projetos com geração de crédito de carbono relativamente a atividades econômicas tradicionais intensivas em carbono, mas, da mesma forma, seria necessário contornar desafios regulatórios e estabelecer sua governança.

Para o hidrogênio verde, é promissor o avanço na pauta legislativa para a regulação desse vetor energético. Porém, mecanismos de indução da competitividade ainda se fazem necessários para que o Brasil não se apoie apenas na vantagem da disponibilidade em recursos naturais. Considerando que 70% do custo de produção do hidrogênio verde é o custo da energia renovável, a abundância desse recurso no Brasil potencializa um mercado de US$ 200 bilhões até 2050 com arrecadação de quase R$ 800 bilhões para todas as esferas governamentais brasileiras (LCA, ABIHV; 2023).

PL 2308/2023, que institui o marco legal do hidrogênio de baixa emissão de carbono e dispõe sobre a Política Nacional do Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono entre outras providências, foi aprovado na Câmara em novembro de 2023 e se encontra no Senado. O texto aprovado define o hidrogênio de baixa emissão de carbono com valor inicial menor ou igual a 4 kgCO2eq/kgH2 conforme análise do ciclo de vida e prevê um sistema de certificação de adesão voluntária para informar a intensidade de emissões.

Esse sistema ainda depende de governança para definir diretrizes políticas, supervisionar padrões técnicos, fiscalizar e credenciar empresas certificadoras, e gerenciar os registros. Ainda, são necessários os critérios quanto ao escopo das emissões, à fronteira do sistema de certificação, entre outros. Somente a estruturação da governança da certificação e a padronização de metodologias para calcular as emissões evitadas pelo hidrogênio verde permitirão identificar projetos com melhores resultados ambientais, alocar de modo mais eficiente os incentivos econômicos necessários à escala nessa cadeia e prover ao consumidor a qualidade exigida para descarbonizar seu processo produtivo.

Além da certificação, o PL prevê o Regime Especial de Incentivos para a Produção de Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono (Rehidro), que concede a suspensão de impostos federais sobre investimentos (compra ou importação de máquinas, aparelhos, instrumentos e equipamentos novos e de materiais de construção destinados aos projetos) mediante requisitos como percentual mínimo de utilização de bens e serviços nacionais, percentual máximo de destinação ao mercado internacional e investimentos mínimos em PD&I.

Outras fontes de recursos que constituem o que o PL denomina Programa de Desenvolvimento do Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono incluem dotações consignadas na lei orçamentária anual, empréstimos de instituições nacionais e internacionais, doações públicas e privadas, resultados de aplicações financeiras e reversão de saldos anuais não aplicados, sem, entretanto, especificar uma fonte objetiva do recurso e um pacote explícito de incentivos.

Além dos aspectos regulatórios e econômicos para desenvolver os mercados de carbono e de hidrogênio verde paralelamente, questões informacionais de conscientização do mercado são fundamentais para ampliar o conhecimento sobre esse vetor energético e os créditos de carbono, de modo que mais empresas possam se engajar nesse processo.

Embora existam iniciativas promissoras, como o Projeto HyBrasil – que reúne diversos parceiros públicos e privados para desenvolver uma cadeia completa de valor para o hidrogênio verde no Brasil, com foco na geração de créditos de carbono – e o BNDES Hidrogênio Verde – que oferece financiamentos para projetos de produção de hidrogênio verde, incluindo a geração de créditos de carbono –, é necessário um esforço conjunto do governo, da iniciativa privada e da sociedade para integrar o hidrogênio verde e o mercado de carbono.

FERNANDA DELGADO – Diretora-executiva da Associação Brasileira da Indústria do Hidrogênio Verde (ABIHV)

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