Sonho do hidrogênio no Brasil esfria, mas otimismo continua vivo

Fonte: BNamericas

Sonho do hidrogênio no Brasil esfria, mas otimismo continua vivo

A indústria de hidrogênio verde do Brasil passou de uma fase de entusiasmo excessivo para uma de otimismo cauteloso.

Atualmente, apenas investidores com capital e uma visão estratégica de longo prazo permanecem ativos, enquanto apenas os projetos mais viáveis devem avançar.

Nos últimos anos, uma série de planos de negócios foram anunciados por meio de memorandos de entendimento, embora nenhum tenha chegado ainda à fase de construção.

Fernanda Delgado, CEO da ABIHV, associação da indústria de hidrogênio verde do Brasil, fala com a BNamericas sobre as expectativas e oportunidades para a indústria e os desafios enfrentados pelos projetos, e quando a produção do novo combustível poderá começar de forma realista.

BNamericas: Como você descreveria o momento atual dos projetos de hidrogênio verde no Brasil?

Delgado: Este é um momento de otimismo cauteloso. O hype passou e agora só permanecem no mercado aqueles que realmente têm capital para investir, além daqueles que entendem que hidrogênio, metanol, amônia e fertilizantes verdes farão parte de um portfólio conjunto de soluções para a descarbonização global.

Mas ainda há desafios para projetos no Brasil, como garantir a interconexão de energia, avançar na regulamentação e garantir compradores.

Se essas três questões forem resolvidas, o mercado pode decolar. Minha visão sobre o andamento dos projetos no Brasil, em geral, continua otimista.

BNamericas: Em que medida a agenda política dos EUA, especialmente a mudança de governo que desacelerou ou suspendeu projetos associados à energia renovável, impactou o Brasil?

Delgado: Eu diria que teve um impacto positivo.

Muitos projetos que seriam desenvolvidos nos Estados Unidos migraram para o Brasil. Isso começou a acontecer quando o subsídio de US$ 3/kg do IRA [Lei de Redução da Inflação] foi cancelado e, a partir daí, muitas empresas decidiram trazer seus investimentos para cá, já que temos incentivos e um governo que apoia o setor.

Nota do editor: Desde que assumiu o cargo no início deste ano, o presidente dos EUA, Donald Trump, reverteu algumas políticas de seu antecessor, Joe Biden, incluindo a suspensão do financiamento subsidiado pelo IRA e pela Lei de Investimento e Empregos em Infraestrutura. Essas leis originalmente concediam créditos fiscais de até US$ 3/kg para a produção de hidrogênio limpo. A medida atual exige que os projetos comecem a ser construídos até o final de 2027 para se qualificarem, acelerando os prazos em cinco anos e desqualificando muitos projetos planejados naquele país. ]

BNamericas: Qual é a sua opinião sobre as condições de financiamento desses projetos, considerando os grandes volumes de capital envolvidos?

Delgado: Financiamento não é problema. Há bastante capital nacional e internacional disponível. BNDESBanco MundialBIDBanco Santander ; todas essas instituições já anunciaram linhas de crédito dedicadas ao hidrogênio verde.

Além disso, projetos como o da Atlas Fertilizantes já estão inseridos na plataforma global de investimentos em energia renovável e no PAC [programa de investimentos do governo federal em parceria com a iniciativa privada, estados e municípios], como é o caso do projeto da Fortescue.

O financiamento é uma questão que já foi resolvida.

BNamericas: E em relação aos compradores, o que é decisivo para que os projetos atraiam compradores?

Delgado: O desafio restante nesta equação é o preço. Assim que atingirmos níveis de preços competitivos, os compradores virão.

BNamericas: Quando seria realista esperar progresso concreto nesses projetos no Brasil?

Delgado: É difícil definir uma data, mas os projetos já estão avançando de uma forma ou de outra.

Por exemplo, o projeto da Solatio já concluiu o FEL 2 (seleção e desenvolvimento do escopo) e agora está iniciando o FEL 3 (planejamento da execução). A Fortescue também está avançando com seu projeto.

Mas esta é uma indústria complexa, semelhante ao setor de refino de petróleo, onde a construção de uma planta pode levar até oito anos.

Há uma sequência natural para o desenvolvimento de projetos: primeiro a regulamentação, depois os incentivos, depois a estruturação financeira e, por fim, a construção. Estamos falando de médio a longo prazo, mas com decisões que precisam ser tomadas agora.

Precisamos de um programa governamental de hidrogênio de baixo carbono e também de uma solução para a conexão desses projetos à rede elétrica.

Com essas questões resolvidas, acredito que poderemos ter projetos no Brasil iniciando a produção em 2029 ou 2030.

BNamericas: A questão da conexão, com os recentes bloqueios impostos pelos reguladores, tem sido destacada pelos agentes do mercado como vital. Isso está sendo abordado coletivamente pela associação ou caberá a cada empresa?

Delgado: Há um esforço coordenado da ABIHV. Trabalhamos com os diversos órgãos reguladores, incluindo EPEMMEONS e Aneel, para avançar os estudos. A questão das conexões dos projetos é monitorada diariamente, e em breve devemos ter soluções para os projetos em análise pelos órgãos reguladores.

Vale ressaltar que o governo sempre foi pró-hidrogênio em sua agenda verde. Quando pedimos incentivos, nos reunimos com eles; quando solicitamos a inclusão do mercado de exportação, também a conseguimos. Agora é preciso respeitar o ritmo natural do processo decisório do governo. Permanecemos cautelosamente otimistas de que esses bloqueios de conexão serão resolvidos.

Mas não é possível criar um mecanismo padrão pelo qual todos os projetos de hidrogênio verde recebam automaticamente a aprovação de conexão do ONS. Cada projeto tem seu próprio design. O papel da associação não é padronizar, mas sim apoiar estudos, aproximar as partes interessadas e demonstrar a relevância dos projetos.